segunda-feira, setembro 27

Não mais.

Como é pesado e vultoso o fardo que movimenta as horas; e como é débil e volúvel o meu pesar, que range os dentes amedrontado frente a tamanho assombro. Já se foram muitas voltas marcadas pelo ponteiro dos dias desde que me entregaste a última palavra.
Mas quão ditosa é a mão que afaga a minha ferida, e que com a venda do tempo cicatriza a chaga dos fatos. Até que ponto terá a dor combustiva cessado de me sufocar? Assim como quando a treva me cerca, anseio pela luz, agora que vislumbro um lume, aguardo o volver da sombras.
Como é dura a prova da vicissitude que me ata ao outro.
Renuncio o trono satírico ao qual me prendem as cadeias do sensível; corto agora o laço que movimenta os membros invisíveis do coração, tal qual o marionete que cria vida e se desfaz das cordas que lhe imprimem a figura burlesca de seu personagem. Não mais.

domingo, abril 11

Chave.

Mudei de lugar; entrei, saí, e entrei. Agora estou aqui, não sei se antes ou depois. As mordidas quase não me alcançam, e se tentam, ainda tenho algumas palavras mágicas; cinquenta, pra ser exato, mas tá indo mais que uma por dia. Tomara que logo eu encontre uma chave, e mude de sala, daí eu posso me concentrar, e fazer um desenho mais nítido. Às vezes tenho a tua presença mas, sem querer, me afasto. Se um dia a intuição me levar pela mão até um lugar onde tu estejas, espero acordar nesse momento, porque nesse oceano vazio nada mais acende meu coração senão os teus olhos.

domingo, março 14

Tesouro.

Eu vou me adentrar no castelo imaginário que em mim esconde os tesouros invisíveis da tua lembrança como o homem que abandona sua casa e seus pertences para nunca mais olhar pra trás. E para cada objeto que eu encontrar, vou fazer um desenho num pedaço de papel e jogar por uma janela, amarrado com uma fitinha verde. Verde oliva.

sexta-feira, março 5

Ai de mim.

A densidade do piche que impregna os tecidos negros coroados pela noite infinita do sepulcro etéreo, infestado de sevandijas aliciadoras fantasiadas de noivas fúnebres, engole os meus pés descalsos no movimento horrendo desse pântano que rodeia os primeiros portões do castelo interior que guarda o mesmo signo do princípio que brilha na síntese do coração, onde tu queres que eu veja a alvura da tua face, da qual eu insisto em desviar os olhos, para me perder nas cantigas mórbidas de morcegos que destilam em mim o veneno ilícito da escuridão dos sentidos, me inebriando e dispersando no galopar de asas sulfúreas que me embalam nesse berço voluptuoso inundado pelo mar da lava escaldante do furor. Ai de mim. Um anjo de morte se aproxima.

sexta-feira, fevereiro 26

Gosto.

A impressão que desperta o meu coração para te perceber perto de mim é como uma temperatura esquisita que se manifesta intuitivamente, não por meio dos sentidos, mas por um senso incompreensível no qual a memória atinge tanto o tempo que foi como o que ainda virá, derramando em mim essa tonalidade que abrange todas as cores que não são cores , sons que não são sons, tingindo com esse gosto o mundo que não é mundo, e que está acima de tudo que pode ser visto com os olhos ou escutado com os ouvidos.

segunda-feira, fevereiro 8

Febre.

Quando sinto o sabor intuitivo da tua presença, o clima que molda a minha vida floresce e exala um cheiro multicor sobrenatural que desenha a forma do teu rosto no abstrato infinito que eu tenho acesso com na parte de mim que fica fora desse mundo. Ali eu quero te encontrar, por que ali não há o tempo; ali não há nada que tenha fim. E a parte de mim que ainda é do mundo geme e range os dentes por se aproximar de ti; tem febre. Mas aqui eu não posso te ter; não posso me aninhar em ti. Então, fixo meus olhos onde eles não podem alcançar, por que é ali que eu quero estar contigo, não aqui; mas ali.

sábado, fevereiro 6

Abandono.

Eu não quero, por isso eu espero. Não quero meu próprio querer, eu quero que você queira. Eu nunca passei por isso, e não sei o que esperar, mas meu coração insiste em se afastar e a se aproximar de ti. Eu tento me rasgar do tempo presente, mas o meu peso me segura. Eu suspiro por chegar nos lugares mais distantes, e me aproximar, mas meu apego a esse mesmo desejo me afunda e não me deixa soltar. Quero aprender a não querer o que quero, pra assim tudo ter sem nada querer. E assim deixar tudo.

quinta-feira, janeiro 7

Sojna.

A substância das formas que definem a informidade quase vazia da matéria afluem pesadamente no eu que não é universo. Cada uma dessas formas é uma natureza que me tira do sono dos sentidos e me desperta para a essência intelectiva dessas criaturas que não estão, nunca estiveram e nunca estarão no mundo. Mas não sou puramente dessa natureza, e nunca serei. Apenas a tenho em mim, e quando me separar, estarei separado, até que volte a ser como hoje sou.

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