segunda-feira, junho 22

Do Diabo e da Esperança

Eu vou te pegar, ele me diz. Tu estás quase na minha mão. Vês? Como resistirás? Como suportarás a isso, sendo que tu mesmo me compreendes, e repete estas palavras? Basta eu te chamar, te mostrar o que podes ter, e teus olhos já se distraem, e se voltam a ti mesmo e ao que te rodeia. Tu não tens remédio. Vem e rende-te a mim! O que estás desprezando é a maravilha da criação! Olha! Podes ter no mundo o que quiseres! És livre, e te dou livre acesso ao que quiseres. Tu precisas de mim, não podes negar o meu sustento.
Então ele se cala por um momento, fica me observando, esperando por um movimento qualquer que sirva de exemplo para o que ele vai fazer em mim. Mistura as palavras dele com as minhas, prende minha atenção em algo, inverte o sentido, esconde a verdade, mostra possibilidades infinitas...
Eu não posso te calar. Confesso que tua astúcia me tenta, e fico sem saída. Mas não te dou a mão de bom grado. Não me rendo. Eu espero. Espero. E o amor que também em mim habita te afoga nessa fonte de águas amargas que está arraigada no meu íntimo, donde brotam então esses dissabores que exalam no hálito do meu espírito.
Esse amor que me surge na tua estação me desperta um sentido que me faz perder a mim mesmo. Que me esconde da minha própria visão e me derrama o céu destilado que brota como uma cachoeira da fenda que a minha impureza causou em ti. Esse é o meu pranto, o meu gemido, a minha ânsia que eu não consigo abafar. Eu tento traduzir esse grito que eu quero dar no teu ouvido pra que teus olhos se voltem pra mim, e me reduzam a nada, me façam perder em ti, mas não consigo. Não consigo. Então eu espero. Espero. Espero. E o desespero se faz esperança.

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