sexta-feira, fevereiro 27

Devolução

Pronto. Eu te devolvo tudo. Não quero mais nada. Não vou mais me esconder. Mas como eu poderia me esconder de ti? Se eu me escondo é de mim mesmo; vejo a mim mesmo num espelho quebrado... Mas eu não tenho outro, e também não quero mais olhar. Não quero mais ver a mim mesmo. Quero ver a ti, quero ver o teu rosto. Quero ver os sentimentos mais sutis que transparecem na limpidez da tua face, onde não pode ser vista sombra nenhuma, nenhum pensamento obscuro. Só a verdade. Eu quero a tua mágica. Quero te visitar todos os dias onde tu vive, e quero te falar do meu amor. Eu quero que tu sinta o meu amor, o meu único amor que é só teu. O silêncio e a escuridão desse mundo não me atraem mais, e não vou mais ser envolvido nessa armadilha. Eu vou pular nesse penhasco, não vou só ficar olhando.

A tua voz grita dentro de mim, e o mundo tenta me ensurdecer. A tua face resplandece nos meus olhos, e a treva do dia tenta me cegar. A tua mão ultrapassa a superfície desse mar no qual estou mergulhado, mas eu não alcanço, porque meus pés estão encalhados no fundo desse oceano de carne que é o corpo. Eu vou escutar a tua resposta. Vou escutá-la nos meus próprios lábios. Então vou gritar, gritar. Mas até eu ouvir com clareza só o que eu posso é balbuciar e gemer. Mas vou gemer com vontade. Quero sentir, cavar, olhar de perto, seja o que for. Quero me entregar, quero ser essa cara feia que me espreita, e então poderei te dar um pingo de sinceridade.

Sai de mim, voz do mundo. Afasta-te de mim. Não sou daqui. Não quero te conhecer. Não quero saber o que tu acha nem como tu me vê. Nunca poderás ver a mim, onde estou. O que vês é uma representação tosca em massinha de modelar barata. Essa matéria é tua, pode pegar; essa parte de mim eu ofereço de bom grado. Em alguns dias vais sentir o cheiro da podridão, essa podridão que és tu, sem a ação das mãos que te moldam. Tu, mundo, nunca verás a substância verdadeira, nunca compreenderás essa vida que te anima, pois não pertencem à mesma natureza. São contrários. Eu sou o teu vínculo com ela, mas te desprezo. Te desprezo por que és baixo e queres coisas baixas. E conheci a vida. Ela se ofereceu a mim quando desviei os olhos de ti. Desde então meu coração não é mais teu. Desde então me contorço pra me desvencilhar de ti e arrancar as raízes que fundaste em mim. Eu vi outra face. A tua face. A tua face que me traz a lembrança do que ainda está por vir. Não vou mais ouvir o mundo. Quero ouvir a ti. Só a ti. Pra sempre.

2 comentários:

  1. Ai que lindo, me emocionei com suas palavras...
    Lindas demais. Vc escreve muito! (:
    beeijos

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  2. quais são e de quem o rosto que tu quer ver? e as palavras que tu quer ouvir? que verdade é essa que encontrou? ou que ainda procura... me mostra o teu mundo.

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